quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Dê valor para o que é seu

Semana passada tive o privilégio de almoçar com todos os chefs de cozinha que vieram ao Brasil para o evento “Semana Mesa SP” da revista Prazeres da Mesa em parceria com o SENAC. Foi um almoço incrível lá no Fogo de Chão da Avenida Santo Amaro (um dos meus grandes clientes).

Para melhorar ainda mais, sentei ao lado do grande e divertido Frédéric Baú da Valrhona, e a frente de Ferran Adriá do El Bulli e Christian Escribá da Escribá.

Entre várias rodadas de caipirinha e muita costela de boi, discutimos bastante alguns assuntos que estão muito em alta no nosso país e no mundo da gastronomia.

Interessante foi perceber que a visão de todos é muito parecida com a nossa e se inclina totalmente ao tão desvalorizado Brasil. Quer dizer.... desvalorizado por nós. Lembro-me bem, quando há mais de 15 anos, decidi pela confeitaria, mais especificamente pelos ingredientes Brasileiros. Ouvi de muitos o “apoio moral” de.... vai se dar mal!! Obrigado a todos pela força; me deu mais vontade de continuar!

Na conversa com os grandes do mundo, percebi que o que vários Chefs do nosso país falaram por anos, só agora está sendo aceito pelos nativos da terra Brasilis pelo fato de termos uma chancela internacional; ou seja: agora é bacana por que os gringos falaram que é.

Vocês lembram que o Brasileiro só começou a dar valor ao cupuaçu depois que o Japão registrou o nome? E a rapadura, que ficou sob o domínio dos alemães por mais de 15 anos e só este ano ganhamos a ação na OMC? Sem esquecer da pimenta rosa plantada na Bahia, que era vendida para a Europa e depois importávamos como iguaria por um preço exorbitante? Se deixarmos, logo estaremos pagando por ser Brasileiros, pois estaremos registrados em algum outro país.

Forma de rapadura do século XIX lá da minha loja

Estamos tão acostumados com as coisas ao nosso redor, que deixamos de prestar atenção. Apenas olhamos e não vemos. Sabe aquelas receitas que sua avó costumava fazer e você acha que não serve mais por ser antiga? Pois é..... olhe para elas com outros olhos que tudo muda,antes que outros o façam. Toda a vez que viajo para fora do Brasil para dar aulas, levo algo da época da minha infância e é sempre um sucesso.

Pois é. Agora todo mundo vai querer vir aqui e tirar uma casquinha. Não tenho nada contra quem é de fora, mas vocês devem lembrar que nos outros países, em primeiro lugar vem quem é de lá e só depois os forasteiros. Vá para qualquer lugar do mundo e veja se eles dão preferência para os estrangeiros ou para quem é da terra.

Só para ilustrar o que estou falando, abaixo vai uma foto do Ferran Adrià comendo um creme de papaia. Sabe qual foi o veredicto? Ele amou a textura e o sabor, apesar de não entender por que tinha cassis que não é Brasileiro. Isso mesmo. Ele achou que por ser algo tão “nosso”, deveria ter outro licor. Apoio com todas as forças..... que tal um licor de jabuticaba? Só para deixar marcado no tempo. Aposto que se o Ferran fizer um creme de papaia desconstruído etc etc, vai ter um monte de “chef estrela” copiando para vender em seus restaurantes, pois vai passar a ser incrível.

Ferran mandando um creme de papaia

A moral desta historia, para mim, é a de que devemos respeitar a todos, indistintamente, pois até o mais ignorante em algum assunto, pode vislumbrar algo que você, que está olhando todos os dias não vê. Ouça tudo o que lhe falam e utilize o que lhe convém, pois uma palavra pode ser suficiente para salvar o seu dia. Não tenha raiva dos estrangeiros, respeite-os e absorva as técnicas e conhecimentos que eles possam lhe acrescentar. Porém, aprenda a dar valor, antes de tudo, ao que é seu por direito, para evitar pagar caro para comprar rapadura “made in Germany”.

4 comentários:

Anônimo disse...

Flavio, Gostei muito da matéria e acho que você atingiu um ponto importante: os recursos naturais genuinamente brasileiros são formidáveis, pena que pouco valorizados. Com certeza o problema é com a mentalidade de muitos “formadores de opinião”. Para começar a mudar é preciso saturar a mídia com declarações iguais às do Adria com relação ao cassis e de outros expoentes da gastronomia mundial que certamente pensam da mesma maneira sobre outros ingredientes aqui desprezados. Meu desejo é que você lidere esse movimento com o engajamento de outros profissionais que comunguem com a mesma idéia.

Flavio Federico disse...

Concordo plenamente com você. Só acho que o maior problema é o fato de que nós, nativos do Brasil, não temos força, pois o que vem de fora é sempre "melhor".
Já me dedico a isso a mais de 15 anos. Mas não é fácil quando o foie gras tem em qualquer esquina e o nosso Bacuri não tem em lugar nenhum. É uma questão de mercado. Os comerciantes vendem o que o público procura.
Divulgue a idéia como um todo para que todos nós venhamos a ganhar com isso.
Parabéns e um Abraço
Flavio

Anônimo disse...

Flavio, sei que essa materia nao e recente mas espero que leia meu comentario. Pra comecar adoro culinaria e invejo voce por estar num evento com chefs tao talentosos. Agora quanto ao fato de brasileiros darem mais valor ao que e de fora, nao acho que agimos de maneira tao diferente do resto do mundo. Quando tratamos de classes mais baixas da nossa sociedade (se e que voce liga tanto pra rapadura) eles nunca ouviram falar de foie gras. Durante toda historia do nosso pais, nos fomos e somos ate hoje influenciados por culturas diferente
s assim como de certa nos e outros piases colonizados tambem influciamos a cultura dos colonizadores. Ja imaginou o que seria da Italia sem o tomate que e originario das americas? Pois e, nao vejo problema nenhum usar um licorzinho frances na nossa sobremesa brasileira feita com uma fruta que originalmente vem do sul do Mexico. Adoro tudo que temos no nosso pais e concordo com voce que devemos dar valor as coisas da nossa terra mas nao vejo problema nenhum em apreciar ingredientes que foram introduzidos na nossa sociedade e que de maneira muita criativa fizemos uma sobremesa tao gostosa.
Marcelo Bernardes

Flavio Federico disse...

Olá Marcelo Bernardes;
Concordo com você; por isso utilizo coisas de fora também.
Apenas acho, na minha humilde opinião, que devemos dar valor primeiro ao que é nosso, pois senão ninguém o fará. E falo de materias primas e profissionais.
Entenda que há uma diferença entre ser patriota e ser burro. Se um produto ou profissional não é bom, não vale a pena usar ou defender só para ser "politicamente correto".
Tem muita coisa que não uso porque não acho interessante ou bom.
Porém, mais uma vez, é apenas minha opinião.
Obrigado pela contribuição e comentarios.
Grande abraço e sucesso.
Flavio